Assentamento Várzea do Mundaú celebra os 35 anos do CETRA

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Texto: Miguel Cela

Fotos: Amanda Sampaio

 

O dia na Várzea do Mundaú começou cedo. Ao olhar para o alto, o céu azul era entrecortado por bandeirolas coloridas – que poderiam lembrar São João, mas também as diferentes histórias vividas nesses 35 anos, representadas pelas diversas cores. Ao olhar pra frente, casas abrigavam pessoas que, mais tarde tomariam aquele espaço com olhos atentos e ouvidos aguçados.

 

No terreiro ao lado da igreja, um palco e duas tendas, que logo foram tomados pelas cores da celebração. Cores que se confundiam com as cores da terra – sempre lembrada nos momentos de homenagem às famílias do assentamento Várzea do Mundaú, à família Veríssimo e aos 35 anos do CETRA.

 

Era meio dia, mais ou menos, quando as primeiras pessoas chegaram. Agricultoras e agricultores deste e de outros assentamentos assessorados pelo CETRA, alunos da Escola do Campo Nazaré Flor, Índios e índias Tremembé da Barra do Mundaú, associados do CETRA. A celebração começaria nos quintais das famílias das quatro comunidades do assentamento: Jandaíra, Vieira dos Carlos, Salgado do Nicolau e Várzea do Mundaú. E se encerraria com um momento de homenagens e apresentações culturais. Durante os intercâmbios, os presentes puderam conhecer as experiências dos/as agricultores e agricultoras agroecológicos/as do assentamento.

Noite de homenagens

 

Sob olhares atentos de Joana, Manoel, Raimundo e Francisco Veríssimo – representados pelos desenhos feitos por Breno Veríssimo, neto de Francisco –, agricultoras, agricultores, jovens e membros da equipe do CETRA falavam, emocionados, sobre a trajetória da organização e das diferentes lutas travadas durante esses 35 anos e ali no assentamento.

 

Em sua fala, o deputado estadual Moisés Braz (PT) afirma que “a terra é sagrada, a terra é mãe e temos que lutar para que a gente possa sobreviver e ter um pedaço de terra pra produzir, mas, sobretudo, para que a gente possa ser respeitado”. E finaliza reafirmando que “quem tem terra também goza de respeito dessa sociedade que despreza e que abandona a classe trabalhadora”. 

 

Agricultores também foram chamados para prestar suas homenagens e dar seus depoimentos. Reginaldo, do assentamento Lagoa do Mineiro, lembra que a história dos assentamentos se assemelha: em ambos (Várzea do Mundaú e Lagoa do Mineiro) pessoas morreram na luta. Segundo ele, “hoje colhemos os frutos desse sacrifício que aconteceu. A classe trabalhadora está de parabéns e deve continuar sempre unida lutando pelos nossos objetivos”.

 

Margarida Pinheiro acompanhou de perto a trajetória da luta pela terra desse e de outros assentamentos cearenses. Essa história começa antes da fundação do CETRA, em 1981. Por isso, segundo ela, “estamos celebrando mais ano do que 35”. E lembra da história do assentamento Várzea do Mundaú, que “tem uma marca profunda da injustiça e da violência, que foi o assassinato do Seu Manoel Veríssimo e dos seus dois filhos [Raimundo e Francisco] na luta pela terra”. Margô, como é chamada, lembra, ainda, que apesar da dor e da grande perda, as famílias não se acomodaram e continuaram participando e se organizando.

E as histórias do CETRA e dos assentamento têm mais coisas em comum. Margarida fala de seu orgulho ao dizer que, na equipe técnica do CETRA existam pessoas que vieram de assentamentos e finaliza: “o CETRA só existe porque a classe trabalhadora rural existe e a gente está junto apoiando, assessorando e aprendendo”. No entanto, não é porque a terra foi conquistada que devemos parar de lutar – na primeira pessoa porque é uma luta a qual todos devemos apoiar e ajudar como podemos. E a luta pela terra perpassa outras lutas, como a luta das mulheres.

 

A luta das mulheres foi, também, lembrada e retratada nas apresentações culturais. Abrindo a noite, um grupo de mulheres da comunidade Vieira dos Carlos encenou um drama por meio de músicas. Nele, as mulheres encenaram um rapaz cortejando uma moça, a fuga do rapaz com a moca, ciganas vendendo cestas com produtos. Sempre com bom humor, elas incluíram a equipe do CETRA quando, em uma das partes, falam de peças de roupa de um personagem que foram doados por membro do CETRA e da comunidade.

 

O grupo de jovens Balanço do Coqueiro entrou entoando os versos “eu sei como pisar / no coração de uma mulher / já fui mulher eu sei / já fui mulher eu sei”, de Chico César. A montagem apresentada era de exaltação da mulher e do feminino, falando das mulheres que morreram na luta e das que continuam lutando. ”Mulher brasileira em primeiro lugar.” Encerrando a noite, o cantor popular Zé Vicente cantou e animou crianças e adultos em cirandas e braços levantados em sinal de luta.

A terra é nossa

A terra é um bem comum
Que pertence a cada um.
A terra é nossa, Patativa do Assaré

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