Maria Emília Pacheco – Sobre agroecologia, soberania alimentar e justiça social

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CETRA – O que é soberania alimentar? E como ela se configura no Brasil?

Maria Emília – A soberania alimentar é um princípio que diz respeito ao direito que tem os povos de definirem as políticas, com autonomia sobre o que produzir, para quem produzir e em que condições produzir. Soberania alimentar significa garantir a soberania dos agricultores sobre os bens da natureza desde a semente, que é um bem fundamental. E nós sabemos o quanto isso está em risco hoje, os agricultores estão perdendo essa autonomia, porque cada vez mais a agricultura é regida também por um mecanismo da chamada propriedade intelectual, do patenteamento de sementes que são dominadas por poucas empresas, então isso vai na contramão da soberania alimentar. O Brasil tem uma conquista histórica, que é ter incorporado a dimensão nutricional junto da garantia da segurança alimentar. Não basta as pessoas estarem alimentadas, elas tem que estar bem alimentadas. E falar da dimensão nutricional também nos ajuda a pensar sobre a educação alimentar, a educação para o consumo.

CETRA – Qual o papel da agroecologia na garantia da soberania alimentar no país?

Maria Emília – Tem toda relação pelo seguinte: houve um momento em que nós fizemos uma definição desse conceito [soberania alimentar]. Então não é só ter a garantia do direito humano à alimentação, o acesso ao alimento, mas uma alimentação de qualidade e saudável, e isso significa não ter agrotóxico, significa não ter contaminação dos trangênicos, significa uma alimentação também que respeite a cultura alimentar, que é muito diversa no país.

Para que essa alimentação seja garantida, é preciso que haja uma produção de outro tipo. Uma monocultura, uma plantação em grande escala que não respeita o meio ambiente, baseada nos insumos químicos, e que provoca também a injusiça social é completamente contraditório à nossa visão de soberania alimentar. E a agreocologia é o encontro da ciência com outras práticas e também tem o sentido de um movimento social; ela se baseia em princípios que são fundamentais, como a diversificação da produção, a utilização máxima dos insumos internos da propriedade e também o princípio da equidade, da igualdade de gênero, que nós defendemos também, pois o princípio da igualdade entre homens e mulheres também constrói outras relações de produção, dá outras bases para o sistema agroalimentar.

A visão de soberania alimentar é agregadora e articula vários sentidos, porque além de chamar atenção para a diversificação da produção, também chama atenção para a necessidade de darmos prioridade para um circuito de mercado mais curto – você sabe que os alimentos no Brasil fazem um verdadeiro passeio e com isso gastam mais combustíveis – e nós defendemos os circuitos curtos assim como defendemos que o estado tenha um papel de regulação do abastecimento. Foi feita uma proposta agora na Conferência Nacional [de Segurança Alimentar] bem interessante, que as feiras sejam parte dos equipamentos de segurança alimentar – e aí nós defendemos principalmente as feiras agroecológicas.

CETRA – Como a soberania e a segurança alimentar se constituem em fonte de justiça social?

Maria Emília – O direito à alimentação é um direito básico, o direito à vida, então é uma questão de justiça, essa garantia ao alimento. Ao mesmo tempo, nós também queremos chamar atenção para associar a justiça social com a justiça climática, porque as populações mais vulneráveis, mais pobres, não só vivem numa situação de desigualdade, portanto de injustiça social, como também elas são em geral as mais submetidas à devastação dos seus territórios, à destruição dos seus modos de vida. Se for parar e observar, por exemplo, onde ficam os lixões, ficam perto dessa população mais pobre; são essas populações que estão perdendo hoje o controle, o direito a ter o acesso à água, aos bens que estão na floresta. E isso nós costumamos associar a uma falta de justiça ambiental. Então por isso essas duas duas coisas vem juntas.

CETRA – E a agroecologia vem como caminho?

Maria Emília – A agroecologia vem como caminho, uma aposta de esperança numa mudança, de uma nova concepção, mas também de novas práticas e também nos alertando que se trata, nesse momento da nossa história, de combinar as lutas de resistência contra o avanço do agronegócio, a expansão das monoculturas, mas ao mesmo tempo de afirmação dessas alternativas que as experiências vão construindo.

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