Alexandre Pires – sobre juventude rural e agroecologia
Qual o lugar da juventude na agroecologia?
São vários os lugares dos jovens na agroecologia.
Primeiro porque precisamos entender que a agroecologia não é só uma estratégia de produção, mas também uma abordagem e uma forma de fazer e pensar o desenvolvimento do campo e a relação do campo com a cidade.
Tendo isso como concepção do que é agroecologia, a gente consegue localizar os jovens em vários espaços desse campo: no processo da produção agrícola, na participação social em sindicatos em associações comunitárias, nas cooperativas, nos grupos de jovens comunitários, participando dos conselhOs jovens querem outras coisas, estão conectados, organizados. A longo prazo, como pode se dá esse processo de reconstrução do simbólico?os municipais de desenvolvimento rural sustentável ou outros conselhos. A gente consegue localizar os jovens no processo de beneficiamento da produção, embora ainda seja um lugar de maior expressão das jovens mulheres, por essa estrutura patriarcal da sociedade onde o lugar da manipulação dos alimentos ser um lugar erroneamente naturalizado como um lugar feminino. A gente consegue localizar os jovens nos processos de comunicação, jovens camponeses que estão fazendo programas de rádio, matérias em blogs, sites de relacionamento, se comunicando com o mundo. A gente consegue localizar os jovens na produção de artesanato, por exemplo, que utiliza-se dos recursos naturais disponíveis e da diversidade do local, em várias ações de proteção aos recursos naturais ou de recuperação da biodiversidade, das fontes de água e dos solos. A gente consegue localizar os jovens no processo de comercialização da produção, na dimensão cultural, onde vários grupos de jovens se envolvem e, trabalhando essa abordagem agroecológica, conseguem resgatar algumas tradições comunitárias e dos povos os quais eles fazem parte, como várias comunidades quilombolas em que os jovens estão regatando os dialetos, as formas das danças, a cultura alimentar.
Então eu acho que o lugar dos jovens na agroecologia não é o lugar, são os lugares, são vários.
O que, na sua opinião, faz com que, mesmo tendo todos esses lugares, ainda haja uma grande evasão da juventude do campo?
A gente não pode fazer uma análise da questão do êxodo rural com um olhar romântico. Eu costumo usar ideia da professora Nazaré Wanderley, socióloga, professora convidada da UFPE e é uma estudiosa da juventude rural, que coloca que a gente tem que entender que o campo sempre garantiu as pessoas para trabalhar no urbano, porque a mão de obra que está na cidade é, sobretudo, oriunda do campo. Imagine se todo mundo que é originário do campo tivesse ficado no campo, você não teria o urbano do jeito que ele é hoje.
A gente tem que entender que esse processo de migração também é um processo de migração da própria natureza humana, de querer algo novo, algo diferente. E quem está no rural quer algo diferente e a cidade é um diferente. E quem está na cidade quer ir para outro estado ou outro país porque quer algo diferente e isso é uma coisa também da natureza, de movimentos.
Mesmo entendendo esse movimento, temos que entender também que há um processo, nesse modelo de desenvolvimento contemporâneo, que tem um direcionamento, sobretudo em função dos interesses econômicos, das forças políticas e econômicas do conjunto de países – porque não é uma questão somente brasileira, mas de países sobretudo de América Latina – de direcionar as políticas e os recursos para o espaço urbano. Então, na medida que eu tenho esse desejo, eu preciso concretamente esvaziar o campo para dizer que ele não existe e, como ele não existe, ele não precisa de recursos.
Então existe um processo, também, de direcionamento das políticas públicas nesse sentido de urbanizar para poder facilitar o direcionamento dos recursos e, claro, com o esvaziamento do campo eu o ocupo com outra perspectiva, que é a do latifúndio, da monocultura, da agroexportação, da utilização dos recursos naturais pelas grandes transformações mundiais. Aí a gente vive, mundialmente, um processo de apropriação das grandes corporações dos recursos naturais para poder gerar uma dependência da população tanto urbana como rural das agroindústrias, das indústrias alimentícias para poder se faturar em cima.
A ausência de políticas públicas no meio rural é um fator a ser considerado para este êxodo. Quando fiz minha pesquisa, constatei que os jovens não querem sair do campo, eles afirmam isso, mas saem em busca de duas questões centrais: estudar e trabalho.
Aí me vem algumas hipóteses em relação a isso. O estudar porque faltam políticas de educação do campo e para o campo. Porque os jovens precisam sair para estudar? Porque não tem universidade, não tem faculdade, e eles querem, é um direito deles, o direito a educação. Porque a educação superior ou técnica não é um privilégio de quem mora na cidade ou não deve ser um privilégio, é um direito de todos.
Quando se fala da dimensão do trabalho, é porque apesar de os jovens estarem nestes vários lugares da agricultura familiar – e não só na agroecológica, mas de toda a agricultura familiar – há vários casos que indicam que os jovens não participam da mesma forma da divisão das riquezas produzidas na agricultura. Apesar dos avanços na agricultura familair de base agroecológica, ela ainda é um desafio porque há jovens que estão envolvidos na agroecologia que migram, também por esse motivo de não participar da divisão dos bens e riquezas produzidos dos quais ele participa do processo de produção.
E porque se dá isso? Pela própria estrutura social dos pais, dos adultos como detentores do poder e dos jovens e crianças como os submissos a essa condição, mesmo que participem do processo de produção, beneficiem e comercializem, na hora de dividir, para o pai e a mãe, ele tem casa, comida, roupa, querem o que mais? Então esse é um fator a ser considerado na nossa análise.
Ao mesmo tempo, temos que perceber que a agroecologia abre muito mais perspectivas e tem mais condições de os jovens permanecerem no campo, mas ainda assim a agricultura familiar, de modo mais amplo, não tem criado essas condições. E aí significa dizer a atividade muito voltada para a produção quando os jovens estão querendo outras coisas.
Tem outro elemento importante de destacar. A gente foi construindo na nossa sociedade uma visão do campo como negativa: pessoas pobres, ignorantes, analfabetas, pé-rapado. Ainda tem, na nossa sociedade, na população que vive no campo, uma questão de não ser percebido assim, não parecer. Tem dois caminhos para isso: ou eu saio, vou para a cidade e não sou mais do campo ou eu estou no campo, assumo a minha identidade e luto para a reafirmação dela. O movimento agroecológico tem despertado nos jovens camponeses essa compreensão e leitura da realidade que eles e elas são pessoas que têm uma identidade, que têm uma história fundamentais e importantes e por isso eles precisam ficar para reafirmar isso.
Eu lembro, ainda, de uma outra dimensão importante dentro deste conceito de construção do mundo rural. Quem trabalha no campo trabalha todos os dias, não tem final de semana, feriado, férias, carteira assinada. Se a gente olhar bem as propagandas que o governo faz, eles propagandeiam a ideia da geração de trabalho com o símbolo da carteira de trabalho, que é um símbolo importante, mas também remete a uma visão que só tem valor o trabalho que tem uma carteira assinada e isso não é verdade, porque o trabalho do campo tem grande valor embora não precise de uma carteira assinada, mas é um trabalho que não tem salário todos os meses depositado na conta, não tem final de semana, não tem férias nem feriado, não tem décimo terceiro…
Então são vários os aspectos que a gente tem que analisar sobre essa dimensão do êxodo rural. E aí você analisa num parâmetro geral, da agricultura familiar, e num parâmetro da agricultura familiar de base agroecológica. E os problemas persistem, em dimensões diferentes, mas persistem.
Os jovens querem outras coisas, estão conectados, organizados. A longo prazo, como pode se dá esse processo de reconstrução do simbólico?
Existe um desafio enorme colocado para nós, organizações de assessoria, mas isso também está colocado para os governo. Enxergar a juventude com a cara da juventude de agora. Eu tenho que olhar e fazer a leitura que a juventude camponesa hoje tem um maior grau de escolarização, de acesso às mídias. Olhar para essas outras dimensões da juventude rural significa olhar para a juventude desse mundo contemporâneo. E, claro, tem um conjunto de políticas governamentais que, por mais equívocos que possuam, também garantem uma mudança.
Com a mudança das políticas do ponto de vista positivo e um olhar nosso um pouco mais crítico nessa dimensão do jovem atual, a gente pensa que tem muita coisa para além da agricultura que pode ser trabalhado. E acho que são essas as ferramentas: o teatro, a música, a comunicação de modo geral. Tudo isso são portas, estratégias importantes e questões que o movimento agroecológico oportuniza para o redescobrimento dessas identidades. E tem algo fundamental para que elas funcionem: todas elas levam necessariamente a busca pela leitura da realidade. E quando a gente lê a realidade a gente se reconhece dentro dela e, a partir daí, a gente resgata nossa identidade e isso significa dizer que os jovens reconhecem que têm um papel ali.