O Mar dos Tremembé

Por Alexandre Grecco,
Comunicador Popular - CETRA
 
 
                           
Maria das Dores, a Dôra, é de Senador Pompeu, cidade localizada no Sertão Central do estado e está iniciando a transição do modo convencional de agricultura para agroecologia. A caravana era uma ótima oportunidade para Dôra trocar experiências, conhecer os problemas que atingem as comunidades rurais da localidade e poder conhecer mais pessoas envolvidas na construção da agroecologia. Dôra nunca viu o mar.
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Por Alexandre Grecco,
Comunicador Popular – CETRA
 
 
                           
Maria das Dores, a Dôra, é de Senador Pompeu, cidade localizada no Sertão Central do estado e está iniciando a transição do modo convencional de agricultura para agroecologia. A caravana era uma ótima oportunidade para Dôra trocar experiências, conhecer os problemas que atingem as comunidades rurais da localidade e poder conhecer mais pessoas envolvidas na construção da agroecologia. Dôra nunca viu o mar.
 
Na divisão das rotas para conhecer as experiências Dôra se interessou pela Rota Maria Amélia, que visitaria os índios Tremembé. Dôra sabe que muito do que existe em seu dia-a-dia vem da cultura indígena; a tapioca, as ervas que cultiva, os nomes das cidades que conhece, a rede dos cochilos vespertinos e a cor que tange sua pele, são alguns dos elementos que dialogam com a cultura indígena, porém, mesmo cercada de tantos signos, Dôra nunca viu um índio.
 
“Dentro da Baleia”
 
A praia da Baleia fica a 200km de Fortaleza e há cerca de 20 anos vive uma disputa acirrada entre empresários e políticos que apoiam a vinda do projeto Nova Atlântida – complexo turístico hoteleiro – e os índios Tremembé, que residem no local. A disputa gira em torno do pertencimento da terra. Os empresários dizem que a terra não faz parte da área indígena e chegam a afirmar que não viram índios na localidade.
 
Segundo relatos, para os empresários e alguns políticos, ser índio é permanecer refletido na narrativa dos colonos, que viram índios em ocas, nus, falando em dialeto, desorganizados e ociosos; é impossível não imaginar a surpresa que deve ter sido encontrar uma aldeia organizada politicamente, conhecedora da terra que lhe pertence, que cultiva sua cultura e a perpetua com um trabalho consistente junto a juventude e que infelizmente, fala português, veste bermudas e mora em casas, mas isso não é por culpa deles.
 
Os empresários e alguns políticos afirmam que a construção do complexo turístico hoteleiro trará desenvolvimento para o local, aquecendo o mercado interno, melhorando a vida das pessoas, levando o progresso. Eles tem a solução e acham equivocado e intransigente que a aldeia indígena se posicione contra, afinal, que sabem os índios sobre sua terra? O que sabem esses pequenos humanos, cor de barro, pintados com jenipapo e urucum?
 
O mar
 
A rota Maria Amélia, uma das rotas da Caravana Agroecológica e Cultural do Ceará, que aconteceu nos dias 28, 29 e 30, no Território Vales do Curu e Aracatiaçu, se propôs a conhecer uma fração da realidade da aldeia Tremembé, vendo e ouvindo um pouco das ameaças que a aldeia sofre com a iminência dos grandes projetos e a resistência, através da cultura e da agroecologia. A rota contou com diversos agricultores, maioria oriunda de cidades do Sertão Central, como Senador Pompeu de Dôra.
 
O grupo foi recebido pela índia Adriana, que sob a sombra da casa de farinha da aldeia falou das dificuldades da luta indígena, do preconceito com sua cultura, dos vizinhos brancos que proíbem a entrada de índios na igreja local. Adriana parecia conjugar tudo no passado, mas um passado longínquo, daqueles passados de livros de história onde o homem branco queria catequizar os índios e puniam, escravizavam e dizimavam as culturas que foram contra a conversão a um pensamento tão diferente do seu. Adriana falava de como era difícil o homem “branco” aceitar a diferença. O passado era um presente gritando no chocalho que acompanhava o Torém;
                                                                       
“Lá dentro do nosso roçado planta roça e o algodão
Vamos trabalhar é livre lá dentro do nosso roçado.”
 
Na aldeia o grupo pode conhecer o manguezal, viram animais e plantas nativas, alguns se juntaram aos índios e conseguiram caçar alguns caranguejos que, em breve, ajudariam a rechear ainda mais o almoço servido na escola indígena Brolhos da Terra, onde o grupo seria recebido por alunos e professores. Brolhos da Terra é uma das poucas escolas indígenas que tem no estado e percebe-se uma diferença na educação, que abrange além da grade convencional, algumas temáticas indígenas que reforçam o vínculo com a terra, a cultura e a ancestralidade que Adriana reitera “acreditamos na força dos nossos ancestrais, nós os ouvimos e sentimos sua força espiritual”.
 
O mar do peixe do almoço era a baleia, uma curta faixa litorânea de beleza particular, deixou nos olhos sertanejos uma imensidão que fez Dôra, que nunca viu o mar, demorar alguns segundos para entender que ali, onde ela experimentaria o mar de algas e águas salgadas, que lambia os pés e puxava o corpo, era o mar que provia o peixe do índio e despertava o desejo dos empresários; que águas eram aquelas que despertavam tantos interesses? Talvez por isso Dôra se atirou no mar com roupa e tudo, e riu aquele riso solto de criança que descobre sabores. 
 
Soubemos, naquele momento, que viramos, durante algumas horas, índios Tremembé! E que a agroecologia esta além do manejo da terra, quem sabe além da produção orgânica, mas estava ali, na resistência, no pertencimento, na ancestralidade e naquela ponta de esperança salgada que vinha do mar. Ao fim do banho fomos todos, índios, sertanejos e brancos de volta pra casa, caladinhos, no início da noite, compartilhando o pau de arara, cientes que levamos e deixamos algo nessa troca de experiências e que é preciso reforçar a harmonia entre as diferenças. 
 
Dôra se emocionou com o tamanho do mar.
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